terça-feira, 29 de outubro de 2013

XXI

Lágrimas no teclado
Em outra geração,
diria o poeta,
lágrimas no papel.

Romântico fosse,
seu motivo seria
a impossibilidade do amor.
Moderno, ironizaria
o próprio eu sofredor.

Quem aqui escreve,
contudo, poeta não é,
mas apenas um jovem.

Um garoto desiludido
com o século vinte e um.
Que, com tantas fantasias,
chegou a lugar nenhum.

Cora(gem)

A válvula da vida
coberta de espinhos
Borboletas se aproximam
e são cruelmente esmagadas.

Morri há um ano
Vivi nenhum
Meu leito vazio
Médicos ausentes

Não houve cura
Escrevo de outro mundo
e agradeço ao meu criador
cria-dor

terça-feira, 30 de julho de 2013

Assassinato

            À minha frente, o espelho. Sangue. Sangue por toda a parte. Aquela coloração vermelho-escura tomava conta de cada pedaço do meu corpo e não parava de escorrer, molhava todo o chão do banheiro.
            O que posso fazer agora? Provavelmente serei preso. A suspeita logo recairá sobre mim. Decidi tomar um banho enquanto assistia aquele corpo esticado sobre o azulejo.
            Engraçado como na morte todas as pessoas parecem puras. Todos os seus pecados parecem ter sido esquecidos. Não que eu seja religioso. Na verdade, nem acredito no conceito de “pecado”, mas, na morte, ele definitivamente não existe. Há um corpo inerte e ... quem sabe, uma alma.
            Por um momento, esqueci todo o mal que esse demônio banhado de sangue havia me feito. Aquela pessoa fraca, impassível não é capaz de fazer mal a ninguém, pensei. Um anjinho coberto do líquido de seus próprios vasos, que agora fluíam para o exterior de seu belo corpo.
            Não me arrependia do feito, mas, agora alcançado, minha vida perdeu sentido. Passei anos buscando vingança para descobrir que ela não me satisfazia. O imenso prazer que senti ao desferir brutais golpes contra meu malfeitor não se fazia mais presente. Foi substituído por um enorme sentimento de compaixão por aquela criaturinha imóvel.
            Lavava-me. A limpeza do sangue era apenas simbólica. Enquanto deslizava o sabonete, tentava sentir meus pecados indo embora. Religioso ou não, queria estar livre deles. Meu monstro, apesar de tudo que fez, agora parecia estar.
            Após algumas horas, a polícia acabou chegando ao meu apartamento... aquele momento poderia representar o fim. Passar o resto da vida na prisão. Imagine eu, um garoto criado a berços de ouro, atrás das grades. A ideia não me agrada nem um pouco.
            O policial responsável pelo chamado teve um dia horrível. Acordou atrasado, brigou com a mulher, que não o despertou, vestiu-se correndo e chegou ao departamento coberto de suor. Como punição, recebeu o encargo de responsabilizar-se pelo caso preterido por seus companheiros.
            Um jovem que, em acesso de fúria, sequestrou sua ex-namorada e trancou-se no banheiro de sua casa. Parecia ser uma tarefa perigosa. O novato tira tremia ao sair de seu automóvel.
            Chegando ao apartamento, bateu na porta como procedimento padrão. Sabia que não obteria uma resposta. Após arrombá-la, dirigiu-se ao banheiro. Precisou usar da força para remover também esta porta, também trancada.
            Para sua surpresa, encontrou apenas uma pessoa. Um homem encontrava-se morto com a cabeça próxima à banheira. Concluiu que caíra durante o banho e morrera com o impacto.
            Tentou ligar para seu chefe para resolver o mal-entedido. Percebeu que não havia sinal em seu celular. Vendo que o do morto estava sobre a pia, aproximou-se.
            Passo a passo, se aproximava do espelho embaçado pelo calor. Uma pequena parte não opaca revelava uma imagem. Não era a figura do policial. O que estava à sua frente era o mesmo que estava aos seus pés: o homem morto.

Perseguição

Nunca estou sozinho
Sempre estão a me olhar
Não importa o que eu faço
Sempre estão a espionar.

E o mais triste:
Meu infeliz espião
Não assume crédito,
Nega sua realização.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

A criação



Um choro inicial
Tudo começou.

Inocência,
Tudo por construir
Mal sabia ele
O que estava por vir.

Manteve-se a criatura,
Por muito tempo,
Adorável e pura.

A sociedade, contudo,
Um monstro criou.
A desvirtuada criação
Por fim se suicidou.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Narciso



Que criatura mais adorável e pura
É esta, que, nas águas claras deste lago
Minha visão, turva e confusa, captura?

Nunca tinha a visto, mas, com clareza
Agora apresenta-se aos meus olhos
A exuberância de sua complexa beleza.

Queria possuí-la; ao lago adentrei.
Pertenceria, pensava, a algum rei?

Minha presença a afastara, no entanto.
Logo eu, Narciso, um deus do encanto.

Nem todas as formosas moças do reino
Bastaram para mim. Meu verdadeiro amor,
Neste intante, teve seu trágico fim.

sábado, 16 de março de 2013

Fotografia



Virada ao contrário,
Em cima do móvel,
Dentro de uma caixa,
Tentei esconder
Uma única lembrança
Que me resta de você.

A imutável imagem,
No entanto, se revela:
Não é mais estática,
Move-se em sua cela.
Fugir quer e pede
Para voltar a sorrir.

Ela olha para mim,
Pede liberdarde.
Ignoro, aprisiono,
Conheço sua maldade.

À suplicante imagem,
Repleto de sofreguidão,
Apenas peço, suplico,
A distância de meu coração.